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15/10/2024 às 13:00
Aluguel por temporada

'Batalha do Airbnb': cresce a disputa na Justiça entre condomínios e donos de imóveis

Sentenças estaduais sobre desentendimentos em convenções de condomínios aumentaram 72% em 2023, passando de 228 casos em 2022 para 392

Em setembro de 2020, criminosos invadiram dois apartamentos em um condomínio de luxo em Moema, na Zona Sul de São Paulo, durante a madrugada. Foram roubadas joias e quinze relógios, incluindo um modelo da marca suíça Rolex, além de R$ 210 mil e US$ 1,7 mil em dinheiro. A gangue conseguiu acesso ao prédio porque havia reservado um dos apartamentos por meio de uma plataforma de aluguel por temporada, segundo processo ao qual o GLOBO teve acesso.

Desentendimentos em torno da modalidade de locação vêm crescendo, o que está levando condomínios a impedir o aluguel de curta duração, enquanto proprietários defendem o direito de gerenciar suas unidades como acharem melhor.

Levantamento na plataforma Jusbrasil mostra que, até 24 de setembro último, havia 17 sentenças estaduais relacionadas a problemas entre moradores e inquilinos que alugaram unidades residenciais em condomínios por pouco tempo. Os processos incluem casos de roubo, arrombamento, barulho extremo e presença constante de desconhecidos. Foram apenas sete no ano passado, ante seis em 2022.

No mesmo intervalo, já houve 303 sentenças estaduais relacionadas a desentendimentos em torno da convenção dos condomínios. No ano passado, foram 392. Em 2022, apenas 228. O entendimento predominante é de que alugar imóveis por temporada não se alinha com a finalidade residencial.

Assim, quando a convenção determina que o condomínio é residencial, os donos dos apartamentos não podem alugar por temporada, explica Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito imobiliário que mapeou processos para a reportagem.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou no dia 1º de outubro o julgamento que analisa a possibilidade de condôminos alugarem imóveis por temporada. Por enquanto, três ministros votaram a favor da modalidade, desde que a convenção do condomínio não vete expressamente. Houve, no entanto, pedido de vista que interrompeu a análise.

Administradoras condominiais e síndicos relatam que os relatos mais comuns envolvem barulho excessivo, insegurança, mau uso das áreas comuns, aumento de gastos com manutenção, nudez e roubo. Na Administradora Nacional, que atende o Rio, o número de problemas com moradores e hosts em assembleias condominiais subiu 35% anualmente entre 2021 e 2024.

— Temos problemas com festas e nudez em varandas. Precisamos fazer manutenção com mais frequência e limpar a piscina em intervalos menores, o que levanta dúvida sobre quem deve pagar a conta — diz Victor Tulli, diretor de Negócios da empresa.

Confusão e polícia

Lisandra Barros, de 45 anos, administra oito condomínios na Zona Sul do Rio. Dois desses prédios discutem a possibilidade de mudar a convenção para vetar alugueis por temporada. A síndica diz ser comum casos de turistas que tentam entrar nos apartamentos errados, trazem garotas de programa e chegam bêbados de madrugada. Em Copacabana, o irmão da dona de um imóvel alugado por temporada entrou no apartamento sem saber que estava ocupado.

— As pessoas que estavam hospedadas não falavam português e bateram nele, que é surdo e não fala. Tiveram que acionar a polícia — conta.

Lisandra diz que, em convenção, moradores do condomínio vetaram completamente os alugueis de curta temporada e passaram a exigir contrato mínimo de trinta dias.

No ano passado, a hostess Lis Reis, de 31 anos, recebeu um turista americano que, durante a madrugada, telefonou para reclamar que havia um curto-circuito no apartamento. Ele desceu até o primeiro andar, procurou o porteiro e acordou a síndica.

Os dois relataram que o homem parecia drogado. Em novembro de 2023, o condomínio em que está localizado o outro apartamento que Lis alugava por meio da plataforma vetou locações por temporada:

— Foi um rombo, ainda mais próximo ao Natal e ao Ano Novo, quando a diária varia de R$ 800 a R$ 1,5 mil. Comprei esse apartamento justamente para alugar. Sou dona, posso fazer o que bem entender com ele.

O crescimento dos imóveis destinados à locação por temporada não está relacionado apenas ao aumento do turismo, mas à maior mobilidade profissional e à ascensão dos nômades digitais. Edson Mendes Araújo, professor de MBAs da FGV, aponta que apartamentos menores costumam oferecer comodidades para atender às necessidades do novo cliente.

Esses condomínios oferecem academia, lavanderia, mercadinho e bicicletas compartilhadas, além de estarem localizados em áreas mais visadas pela clientela.

Em São Paulo, o aumento dos lançamentos de microapartamentos não aconteceu por acaso, avalia Thiago Reis, gerente de Dados do Grupo QuintoAndar. Aprovado há dez anos, o Plano Diretor Estratégico (PDE) fomentou maior adensamento em torno das redes de transporte, o que alavancou o lançamento de unidades menores, conhecidas como studios.

Eles atraem especialmente profissionais jovens, que buscam economizar tempo de deslocamento e morar próximo ao trabalho, mas com as comodidades desses condomínios. Já no Rio, o preço elevado dos aluguéis torna os studios alternativa mais acessível para quem quer estar em bairros bem localizados.

O aumento dos aluguéis por temporada tem levantado o debate sobre a necessidade de regulamentar o mercado. Associações hoteleiras argumentam que o setor paga menos impostos do que deveria. Atualmente, a Receita Federal analisa medidas para cobrar impostos sobre a renda não declarada proveniente desses alugueis.

Para Alfredo Lopes, presidente do Sindicato de Hotéis e Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro (Hotéis RIO), embora as plataformas digam que os alugueis são por temporada, elas estariam vendendo diárias. A Lei do Inquilinato diz que o aluguel por temporada é de até 90 dias:

— Mas há como alugar por um, dois dias. Isso é diária, e incide 5% de ISS sobre diária. Essas plataformas pagam apenas impostos sobre as taxas que cobram dos locatários.

Dobro de faturamento

Para Edgar Poschetzky, diretor da administradora Apsa, o país precisa avançar na regulamentação de alugueis por temporada para diminuir conflitos entre moradores e hóspedes. Ele menciona discussões como a de um anteprojeto de alteração do Código Civil, que prevê a inclusão de artigo esclarecendo que hospedagens e locações de curta duração seriam proibidas em condomínios residenciais.

— Enquanto não houver regras claras, sempre haverá margem para dúvidas, principalmente porque a Lei do Inquilinato não aborda as particularidades das plataformas.

Tulli, da Administradora Nacional, diz que é possível faturar até o dobro com o aluguel por temporada em relação ao convencional. Dados do AirDNA, plataforma que monitora imóveis cadastrados no Airbnb e no Vrbo, reforçam a análise.

Copacabana tem 13,7 mil unidades disponíveis para aluguel de curta duração, que geraram, individualmente, R$ 72,2 mil nos últimos doze meses — R$ 6.016 mensais. O Secovi Rio indica que há 127 quitinetes ou imóveis de um quarto para locação tradicional no bairro, com aluguel médio de R$ 2.799.

Procurado, o Airbnb disse que colabora com governos de todo o mundo para criar normas e parcerias que impulsionem o turismo sustentável. Qualquer violação às regras pode ser relatada à Central de Ajuda, disponível 24 horas. O Airbnb tem o Canal de Apoio ao Vizinho, no qual moradores podem relatar incidentes relacionados a reservas.

Já a Booking.com disse apoiar regulamentação transparente sobre alugueis de curta temporada. Ela destacou que trabalha com autoridades de cada mercado e monitora debates sobre a modalidade. Procurada, a Vrbo não respondeu até o fechamento da edição.

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/10/12/batalha-do-aibnb-cresce-a-disputa-na-justica-entre-condominios-e-donos-de-imoveis.ghtml

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