O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) está investigando a concessão de subsídios pela Prefeitura de São Paulo destinados ao mercado imobiliário para a construção de quase 240 mil apartamentos, que deveriam ser voltados para famílias de baixa renda. A suspeita é de que parte dessas unidades, classificadas como Habitação de Interesse Social (HIS 2), tenha sido comercializada para pessoas de classe média alta ou investidores que utilizam plataformas como o Airbnb para lucrar com a locação.
Esses subsídios são voltados para famílias com renda mensal entre três e seis salários mínimos, o equivalente a R$ 4.236 a R$ 8.472. Contudo, os apartamentos investigados, especialmente os chamados studios, têm sido construídos em bairros nobres como Itaim Bibi e Pinheiros, onde o preço do metro quadrado chega a R$ 19 mil.
Esse cenário, denunciado em matéria do Uol, afasta as famílias mais pobres, para as quais esses imóveis deveriam ser destinados, por causa do alto custo e do perfil dos apartamentos.
De acordo com Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, promotor responsável pelo inquérito, “as investigações indicam fragilidade na fiscalização da Prefeitura, que parece não ter condições de verificar adequadamente o perfil socioeconômico das famílias que compram ou alugam as unidades que deveriam abrigar pessoas com renda entre três e seis salários mínimos”.
Até o momento, 81 mil dos 239 mil apartamentos já foram construídos e possivelmente ocupados, enquanto o restante está aprovado para construção. Esses números cobrem o período entre agosto de 2019 e julho de 2024, quando a Prefeitura de São Paulo começou a oferecer incentivos fiscais e urbanísticos para construtoras investirem no mercado de HIS.
A investigação aponta que algumas construtoras têm oferecido apenas uma pequena quantidade de unidades de HIS para se enquadrar nas exigências legais e obter os subsídios, enquanto a maioria dos apartamentos é vendida por preços muito acima do acessível para famílias de baixa renda. Se confirmadas as irregularidades, as construtoras poderão ser obrigadas a devolver os subsídios recebidos e pagar multas.
A Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), responsável pela fiscalização, afirmou que definiu novas regras para o processo em outubro deste ano e que já notificou 48 empreendimentos para apresentarem comprovantes de renda dos compradores das unidades HIS.
No entanto, não respondeu diretamente sobre possíveis falhas na fiscalização. A Procuradoria Geral do Município informou que ainda não foi notificada oficialmente pelo MP sobre a investigação.
O Secovi, sindicato do setor imobiliário, afirmou que considera normal a fiscalização de programas habitacionais por parte dos órgãos públicos. Já a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) defendeu a produção de HIS pela iniciativa privada como um mecanismo importante para combater o déficit habitacional e destacou as novas regulamentações que aumentam a segurança jurídica e a transparência nos projetos de HIS.
Segundo o ex-vereador José Police Neto, que faz parte do Centro de Estudos das Cidades do Insper, a intenção original da prefeitura ao conceder os benefícios era boa, visando reduzir o déficit habitacional e levar moradores para áreas com maior oferta de empregos e transporte público.
No entanto, ele critica o controle inadequado das autodeclarações das construtoras, que se comprometeram a vender os imóveis para as famílias que se enquadram nas faixas de renda definidas para HIS 2. “A questão agora é como reparar o erro, punindo quem violou a regra e estabelecendo um controle simples e transparente para o futuro”, afirmou Police Neto.
A advogada Nathalia Lopes, da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP, concorda que é necessário um controle mais rigoroso, mas alerta que o consumidor comum não pode ser penalizado.
“É preciso, antes de tudo, avaliar as condições impostas nos contratos de compra e venda”, destacou, frisando que a publicidade clara das características dos imóveis por parte das incorporadoras, que virou lei somente neste ano, é essencial.
A investigação segue em curso, e uma lista com oito prédios já foi identificada pela promotoria. Em apenas dois deles, as unidades de HIS são mencionadas, e ainda assim de maneira quase imperceptível nos materiais de lançamento, sem especificação do número de unidades disponíveis.
Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/prefeitura-de-sp-e-investigada-por-fraude-para-erguer-predios-de-luxo/