São ao menos 15 boletins de ocorrência abertos. Cerca de 85 clientes da imobiliária Tabas reclamam que estão há meses sem receber dinheiro pago por inquilinos. Parte deles teme leilão de apartamentos por inadimplência da taxa de condomínio e já procurou a Justiça. Empresa acusada diz estar ciente e que 'cada caso tem uma motivação específica'.
A Polícia Civil de São Paulo investiga a startup Tabas by Bluegrond por não transferir aluguéis e condomínios de imóveis sublocados a proprietários de imóveis de luxo.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o 78º DP (Jardins), onde está localizada a sede da empresa investigada, apura os crimes citados por meio de inquéritos policiais instaurados. "Diligências são realizadas para esclarecimento dos fatos."
Ao menos 15 boletins de ocorrência foram abertos contra a empresa.
Como o g1 e a TV Globo mostraram, um grupo de 85 proprietários de imóveis de alto padrão do Itaim Bibi e dos Jardins, bairros nobres de São Paulo, está procurando a Justiça para tentar receber o dinheiro dos aluguéis ou a posse dos imóveis. A Tabas atua em pelo menos três estados.
Os proprietários reclamam que, desde o início do ano, a Tabas não transfere os valores que os inquilinos pagam para morar nos imóveis alugados, além de não quitar os condomínios e as parcelas de IPTU desses apartamentos.
Todas essas obrigações estão estabelecidas nos contratos, aos quais a reportagem teve acesso.
A Tabas se apresenta como uma imobiliária que oferece apartamentos mobiliados e renovados para alugar, sem a necessidade de oferecer garantias, nas melhores localizações de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Os preços para alugar os imóveis anunciados no site da imobiliária variam de R$ 3 mil a R$ 30 mil por mês.
De acordo com a advogada que representa o grupo de proprietários, os prejuízos somados já ultrapassam R$ 1,5 milhão. Em nota, a Tabas afirmou que está ciente dos casos e que todos estão em discussão judicial. "Cada situação tem uma motivação específica", disse a empresa (leia mais abaixo).
Segundo informações de seu site, a imobiliária começou a atuar em São Paulo em 2020 no mercado de aluguéis por curtos períodos. Inicialmente, a Tabas tinha apenas quatro apartamentos.
Hoje, já são mais de 1.300 unidades e mais de 21 mil contratos assinados com inquilinos que alugam esses espaços por temporada nas três capitais. Na capital paulista, a plataforma só opera em bairros nobres, como Vila Nova Conceição, Itaim Bibi, Higienópolis, Brooklin e Vila Olímpia, por exemplo.
Moradora de Ribeirão Preto, no interior de SP, a analista de sinistros Patrícia Nerath é uma das vítimas da startup virtual.
Ela assinou um contrato com a Tabas para o aluguel do único imóvel da família no Itaim Bibi, na Zona Sul da capital paulista, em novembro de 2021. O valor do aluguel é de R$ 7 mil, enquanto o condomínio e o IPTU do imóvel custam mensalmente cerca de R$ 2.500.
Segundo Patrícia, ela foi processada três vezes pela administradora do edifício por falta de pagamento de condomínio, que deveria ser pago pela Tabas. Detalhe: o imóvel tem um inquilino morando atualmente, que diz que faz os pagamentos mensalmente à imobiliária.
“Até o fim de 2022, os valores eram pagos corretamente. Mas, a partir de 2023, começou a ter atraso nos repasses. Eles alegavam que tinham se associado com a americana Blueground e o sistema de pagamentos estava mudando. Mas, a partir de março deste ano, eles simplesmente pararam de pagar tudo”, contou.
“Em 2023, tomei um susto porque fui acionada na Justiça pela 1ª vez por causa de atrasos no pagamento dos condomínios. A empresa se desculpou, pagou os honorários e dívidas e tudo ficou certo. Só que, no início de 2024, já havia mais seis meses de atraso e fui acionada pela 2ª vez. E agora em maio, uma terceira vez pelos atrasos. No total, a empresa me deve mais de R$ 60 mil. Tive que vender o único carro que eu tinha e estou indo a pé para o trabalho, para conseguir pagar as dívidas”, relatou ao g1.
Patrícia Nerath acionou a Justiça e, na audiência, a empresa se comprometeu a pagar as dívidas em juízo. Entretanto, a liberação dos recursos ainda não aconteceu porque depende agora de nova decisão judicial para acesso à conta judicial.
“Choro o tempo todo e tenho ataques de pânico por causa dessa situação. É o único bem material que temos – eu e meu filho - e o tempo todo ele está ameaçado de ir para leilão, por causa dos atrasos no pagamento do condomínio. Tenho tomado remédio e não durmo direito há meses. Somos uma família de classe média que, de repente, perdeu sua principal fonte de renda”, desabafou.
Ao procurar a advogada Marcela Miranda, Patrícia Nerath descobriu que outros proprietários passavam pelo mesmo drama na cidade de São Paulo.
Por iniciativa da analista, os proprietários se reuniram em um grupo de WhatsApp para trocar informações e dividir as angústias do "golpe" que estão sendo vítimas.
O grupo já tem mais de 85 pessoas. Ao menos 60 já ingressaram com ações na Justiça contra a startup.
“Semanalmente sou procurada por novos proprietários que estão enfrentando o mesmo problema. Alguns deles registraram até boletim de ocorrência na polícia, acusando a empresa de apropriação indébita. Um inquérito policial inclusive já foi aberto para investigar esses golpes. Entre os mais de 80 proprietários que se reunirão, pelo menos 60 deles já ingressaram com processo na Justiça. Os prejuízos vão de R$ 30 a R$ 100 mil. E somados, passam de R$ 1,5 milhão”, calcula a advogada Marcela Miranda, que representa boa parte do grupo.
Outro caso é o do comerciante Marcos Bueno Perozzi, dono de dois imóveis alugados pela Tabas no Itaim Bibi. Depois de meses sem receber, ele conseguiu na semana passada uma liminar na Justiça para que o inquilino, que mora atualmente em um dos seus apartamentos, passe a pagar a ele diretamente os valores repassados à empresa.
O aluguel dos apartamentos é a única fonte de renda dele e da família, já que a loja que eles tinham faliu na pandemia e eles não conseguiram reabrir o negócio novamente.
Perozzi cuida ainda da mãe idosa, que é portadora da doença de Alzheimer.
“O dinheiro dos aluguéis é usado pra gente pagar convênio médico, remédios e outros despesas dela. Nós não somos ricos e dependemos disso para tocar a vida com dignidade. Você imagina como é perder tudo da noite para o dia, para uma empresa onde os donos saem na mídia o tempo todo como tendo faturado milhões por ano?”, declarou.
Marcos Perozzi conta que desde 2023 tem enfrentando uma verdadeira saga para conseguir receber os aluguéis, indo presencialmente na sede da companhia na Rua José Maria Lisboa, nos Jardins, para tentar reaver o que lhe é devido.
“Os problemas começaram em fevereiro do ano passado, quando os atrasos ficaram corriqueiros. Para conseguir receber algo, a gente peregrinava até a sede da empresa todo o mês e tomava um chá de cadeira de horas, para conseguir falar com alguém do jurídico ou do financeiro. Demorava para vir o pagamento, mas em algum momento caia. Nesse ano, simplesmente não pagaram mais. A gente continuou indo lá, mas proibiram a nossa entrada, pararam de responder mensagem, telefone e e-mail. Ficamos totalmente no escuro, num descaso absurdo”, comenta o comerciante.
A engenheira Mônica Lerner, dona de um imóvel nos Jardins, é outra das proprietárias que se cansou de tomar “chá de cadeira” na recepção da empresa para ser ouvida.
Ela não recebe há mais de quatro meses e tem uma dívida acumulada de condomínio e IPTU de mais de R$ 30 mil.
“Cheguei a ficar mais de 3h esperando ser atendida por lá. Vários idosos de bengala na mesma situação, mas nenhuma satisfação dos empregados da empresa pra gente. Deram ordem para em atenderem telefone. Tenho tomado calmante porque é uma atmosfera de estresse tão grande que não tem me feito nada bem fisicamente”, contou.
Fundada pelo brasileiro Leonardo Morgatto e pelo italiano Simone Surdi - atuais CEO (Chief Executive Officer) e COO (Chief Operating Officer) - respectivamente, a Tabas é uma startup que foi criada de olho em hospedagens mais curtas, como a de turistas estrangeiros ou executivos expatriados que se instalam em São Paulo por períodos de 30 a 90 dias, por exemplo.
A empresa fecha contrato de no mínimo seis anos com os proprietários e se compromete a reformar ou “dar um banho de loja” nos imóveis, para que fiquem com o padrão de alto custo da companhia.
Em troca, recebem o direito de sublocar os imóveis nesse período por valores superiores aos dos fechados nos contratos com os donos desses imóveis.
No caso de Mônica Lerner, por exemplo, ela diz que recebe da Tabas por volta de R$ 6 mil por mês pelo imóvel, mas que o aluguel que a empresa cobra de seus clientes é acima de R$ 13 mil.
Os contratos são de longa duração (cinco a seis anos - usualmente o normal é de 30 meses) para que a startup consiga reaver o investimento na reforma feita para iniciar a comercialização, segundo explica a advogada Marcela Miranda.
Ela conta, entretanto, que, ao conseguir as liminares na Justiça para reaver a posse dos imóveis, a empresa tem “depenado” os apartamentos.
“Em pelo menos um dos casos que eu estou cuidando, a proprietária conseguiu reaver a posse. Mas a empresa foi lá antes da entrega judicial e depenou o apartamento. Arrancou tudo fora e deixando um prejuízo de mais de R$ 50 mil para a dona”, comenta Miranda.
"A Tabas está ciente dos casos e informa que todos estão em discussão judicial. Cada situação tem uma motivação específica, prevista em contrato, para suspensão dos pagamentos e em todos os casos compartilhados, foram apurados valores devidos pelos proprietários à Tabas em razão de benfeitorias que a empresa fez em seus imóveis.
Atualmente, a Tabas administra mais de 2 mil imóveis, e esses casos, que representam menos de 2% da nossa base de clientes, estão sendo tratados adequadamente na justiça. Estamos comprometidos em garantir que cada situação seja tratada com a devida atenção e conforme as determinações legais.
Seguimos crescendo e liderando o mercado de aluguéis flexíveis, focados em oferecer uma experiência de alta qualidade para todos os nossos inquilinos, com a transparência e o compromisso que sempre foram pilares da Tabas."
Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/09/25/policia-investiga-startup-acusada-de-nao-repassar-alugueis-e-condominios-para-proprietarios-de-imoveis-de-alto-padrao-em-sp.ghtml