Sob desgastes, obras inacabadas há mais de uma década se tornam “esqueletos” em todas as regiões da cidade
Fazer a manutenção adequada e periódica de prédios é obrigação legal em Fortaleza desde 2012, quando foi sancionada a Lei de Inspeção Predial (nº 9.913). Mas se de um lado já é desafiador garantir que locais habitados sigam as orientações; do outro, construções inacabadas e “abandonadas” tornam-se pontos de risco ainda maior.
Em Fortaleza, pelo menos 54 prédios com obras inconclusas e com problemas estruturais foram identificados pela Defesa Civil municipal até 2023. O órgão mapeou todas as regionais da cidade, e constatou que os “abandonos” predominam nas Regionais 2 e 12 (veja lista de bairros abaixo).
O Diário do Nordeste identificou, em campo e com a ajuda de imagens do Google Street View, diversos “esqueletos” de prédios inacabados e em constante deterioração desde pelo menos 2012, ano mais antigo disponibilizado pela plataforma.
A periodicidade mínima com que se deve inspecionar um edifício a partir de 3 pavimentos, porém, é de 5 anos. O tempo varia de acordo com a idade do imóvel, como determina a Lei da Inspeção Predial:
O texto reforça que “obras inconclusas, incompletas, irregulares, abandonadas ou ocupadas” devem seguir os mesmo critérios, tendo a idade “contada a partir da data de liberação do alvará de construção”.
Margareth de Paula, chefe do Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil de Fortaleza, explica que o órgão realiza vistorias tanto solicitadas pela população, por meio do número 190; quanto em operações que percorrem toda a cidade, priorizando áreas com edificações mais antigas.
“Trabalhamos por percepção visual. De acordo com as manifestações patológicas visualizadas é que caracterizamos o grau de risco do prédio. Se não há rachaduras ou fissuras nas colunas, ele está estável. Mas quando há muitas fissuras, ferragens expostas, indícios de rachaduras, percebemos que há um grau alto de risco de desabamento”, frisa.
"Avaliamos a estrutura de sustentação de prédio, como estão os pilares e vigas, se há umidade e infiltrações, que danificam bastante a estrutura; e como está a fachada, que gera risco pra transeuntes."
Margareth explica que a Defesa Civil notifica a administração, interdita o local e orienta, em relatório, sobre o que deve ser feito para corrigir os problemas.
Já no caso de edificações inacabadas ou abandonadas, o relatório sobre a situação é encaminhado a outras pastas municipais, como a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), que lidam com as questões legais, como explica a chefe do Nuprev.
Os riscos que esses edifícios representam, como Margareth reforça, são amplos. “Se o prédio for muito alto e com paredes desnudas, elas podem ir se soltando com os ventos e as chuvas e cair sobre imóveis vizinhos e pedestres.”
Fernando Galiza, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea/CE), ressalta que “os prédios abandonados têm risco porque o concreto armado é poroso e, sem revestimento, têm o processo de desgaste acelerado pela maresia e as intempéries”.
Para a arquiteta Isabella Cantal, que integra o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE), os prejuízos “para a comunidade e o ambiente urbano” são inúmeros, de econômicos a sanitários.
"Além de serem potenciais focos de incêndios e possivelmente servirem de abrigo para atividades criminosas, essas estruturas deterioradas contribuem para a depreciação dos imóveis ao redor, afetam a qualidade de vida dos moradores locais e comprometem a segurança pública."
A arquiteta observa ainda que “esses espaços abandonados muitas vezes se tornam depósitos de lixo e entulho, contribuindo para surgimento de problemas de saúde pública, como infestações de insetos e roedores”.
Entre 2021 e 2023, mais de 2 mil prédios com pelo menos 3 andares, que são abarcados pela Lei da Inspeção Predial, foram notificados pela Defesa Civil de Fortaleza após vistorias preventivas. Do total, 55 foram interditados devido aos riscos.
O engenheiro Fernando Galiza pontua que os problemas mais comuns encontrados durante o processo de inspeção predial em edifícios em Fortaleza são os de estrutura, “como fissuras e trincas devido à corrosão e à maresia”; além dos elétricos, “com quadros e fiação antigos”.
“O principal problema em Fortaleza são as infiltrações e as questões estruturais, justamente pela falta de manutenção”, resume o presidente do Crea/CE.
O documento que atesta as boas condições de um imóvel é a Certificação de Inspeção Predial (CIP), que deve ser solicitada junto à Seuma, por meio online, dentro da periodicidade determinada pela lei municipal.
A fiscalização do cumprimento dessa obrigação cabe à Agefis, que “conduz inspeções em toda a cidade, atendendo às demandas da Defesa Civil, do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da população em geral”, como informou a agência, em nota, ao Diário do Nordeste.
Se a edificação – ativa, inacabada ou abandonada – não possuir a certificação, “é lavrado um auto de infração e aplicada a penalidade de multa no valor de R$ 6.233,21, com um prazo de 5 dias úteis para apresentação de defesa”, complementa a Agefis.
359 autos de infração e notificações foram lavrados pela Agefis contra edifícios sem Certificação de Inspeção Predial, nos últimos 3 anos. Só em 2023 foram 145 registros por esse descumprimento.
Por outro lado, no mesmo período, foram emitidas 1.193 Certificações de Inspeção Predial (CIPs), de acordo com a Seuma. Já em 2024, até o dia 14 deste mês, a secretaria contabilizou a emissão de 50 CIPs.
Os motivos para a existência desses “vazios verticais” são, principalmente, econômicos, como lista a arquiteta Isabella Cantal. “Refletem não somente crises econômicas, mas instabilidades financeiras que levam as construtoras a abandonar obras em andamento”, cita.
Além disso, “a especulação imobiliária desempenha um papel significativo, com investidores muitas vezes percebendo que o empreendimento não trará o retorno financeiro esperado”, acrescenta a conselheira do CAU/CE.
Revitalizar e reutilizar as estruturas inacabadas ou em desuso são soluções apontadas como “fundamentais” para acabar com esses “vazios” flagrados em Fortaleza, como a profissional avalia.
“Isso pode envolver iniciativas como programas de reabilitação urbana, parcerias público-privadas para desenvolvimento de projetos imobiliários, incentivos fiscais para investidores interessados em reabilitar essas propriedades e criação de espaços públicos ou culturais”, sugere.
Fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/fortaleza-tem-pelo-menos-54-predios-inacabados-abandonados-e-com-riscos-estruturais-veja-bairros-1.3479265