Alteração no modo como os impostos são cobrados no país pode encarecer serviços e elevar preços ao consumidor final, diz associação do setor. Por outro lado, consultora especializada em Imposto sobre Valor Agregado acredita que custos podem cair.
A reforma tributária aprovada pelo Senado nessa quarta-feira (8) tem preocupado o setor de serviços. Em uma análise mais minuciosa de especialistas, o receio é que segmentos específicos sejam mais impactados — caso dos condomínios residenciais.
O texto ainda irá voltar para análise na Câmara dos Deputados, uma vez que sofreu alterações no Senado.
Sobre o tema, especialistas consultados pelo g1 disseram que:
Procurado para comentar o assunto, o Ministério da Fazenda não retornou. O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da proposta no Senado, informou por meio de sua assessoria que não iria se pronunciar sobre o tema.
Entenda a discussão:
Para a Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), a reforma deve aumentar os impostos sobre empresas de segurança, vigilância e limpeza, o que pode elevar os custos e, consequentemente, os valores cobrados nos condomínios.
Jorge Segeti, diretor técnico da Cebrasse, afirma que, com o texto aprovado no Senado, a alta nos preços deve ser sentida especialmente nas atividades que prestam serviços ao consumidor final, o que inclui também os salões de beleza, táxis e aplicativos de transporte.
Isso porque as atividades do setor são baseadas em mão de obra — ou seja, na força de trabalho dos funcionários —, o que diminui o acesso dessas empresas ao crédito tributário, que é uma espécie de devolução ou desconto de impostos pagos ao longo de um processo produtivo (entenda mais abaixo).
Operadores de serviços acreditam que, com a introdução dos dois IVAs (Impostos sobre Valor Agregado) propostos na reforma, a carga tributária irá onerar diversas atividades do setor, atingindo cada segmento de maneira diferente.
O percentual total de cobrança dos IVAs ainda será definido em lei complementar. A expectativa, no entanto, é que chegue a algo em torno de 27,5%, conforme admitiu Haddad, diante das exceções aplicadas no texto. A previsão inicial era de 25%. A divisão dos IVAs será da seguinte forma:
O texto prevê um período de transição de sete anos (entre 2026 e 2032) para unificar os tributos. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. Entenda.
A principal demanda do setor de serviços desde o início das discussões sobre a reforma tributária é a desoneração da folha de pagamentos — ponto não contemplado nessa etapa de discussões.
Segundo Jorge Segeti, da Cebrasse, apesar de o setor não ser contra a implementação dos IVAs, a diminuição dos tributos sobre a folha seria necessária para evitar um aumento de preços ao consumidor.
"A folha não foi alterada, e o salário continua sendo tributado a 40%. Para um funcionário que recebe R$ 1 mil, por exemplo, você gasta R$ 400 em tributos. E isso não inclui 13º salário ou férias. É só de imposto que vai para a previdência. Esse ponto não foi mexido. Continua pesado", diz.
E isso se aplica aos serviços contratados pelos condomínios. Segeti afirma que o aumento da cobrança ao consumidor final — ou seja, aos moradores — tende a ocorrer caso não haja uma compensação de impostos sobre os salários.
A lógica para esse movimento segue dois principais conjuntos de fatores:
Segeti conclui que, quando a empresa de segurança for vender um serviço, vai ficar mais caro para o condomínio. E exemplifica:
"Dentro dos R$ 3 mil iniciais, 40% são impostos sobre o salário. Por isso, o setor pede a desoneração da folha, para que [a cobrança] seja só sobre o valor agregado", diz.
Vale lembrar que o estudo realizado por Segeti foi feito com base em uma alíquota de 25% para os IVAs, conforme projeções iniciais da reforma.
Com a inclusão de setores da economia em regime de tributação especial (ou seja, reduzida), a estimativa após aprovação no Senado é que a alíquota geral fique ainda maior, na casa de 27,5% (veja mais detalhes abaixo).
De acordo com o levantamento de Segeti, esse conjunto de fatores pode colaborar com um aumento da taxa de condomínio de 2,10% a 6,50%, a depender do tamanho, localização e perfil do local.
Para o resultado, ele parte da premissa de que entre 30% e 50% da taxa são referentes a custos com serviços de segurança e limpeza.
Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio, também acredita que prestadores de serviços devem sofrer com um aumento de carga tributária.
"O governo alega que será possível a geração de créditos a partir dos insumos. Mas para o setor de serviços, que tem na mão de obra seu principal custo, não há esse crédito. O que deve ocorrer é uma alta muito elevada dos serviços de modo geral", diz.
Um estudo publicado pela XP Investimentos em meio às discussões da reforma tributária na Câmara dos Deputados aponta que o setor de serviços pode ter um "impacto misto" ou até sofrer mais do que outros — na contramão dos setores industrial e exportador, por exemplo, que tendem a ser mais beneficiados.
"[Com a aprovação do texto atual no Senado] o setor de serviços sofreria mais — embora isso fosse compensado pelo crescimento econômico no longo prazo", diz a publicação.
Para a consultora internacional Melina Rocha, especialista em IVA, a reforma terá o efeito contrário: irá reduzir os custos das empresas de segurança e limpeza por conta da recuperação de resíduo tributário (ou seja, restituição de custos) sobre itens como materiais de limpeza, energia elétrica e uniformes.
Ainda segundo a consultora, com a reforma, o condomínio que seja contribuinte do IVA passará a ter crédito integral do tributo incidente na prestação de serviços.
"Assim, o custo destes serviços para o condomínio vai, na realidade, diminuir, porque os tributos incidentes poderão ser totalmente creditados", explica.
Melina também destaca que a reforma tributária "afeta um pouco os preços dos bens e serviços adquiridos pelas famílias, mas mantém, na média, a tributação atual".
Ela acredita que um eventual aumento no preço dos condomínios será compensado pela menor tributação de outros itens consumidos pelas famílias, como energia elétrica e conta de celular, por exemplo.
"Na média, a tributação atual será mantida. Como a reforma tributária tem como objetivo manter a carga tributária atual, qualquer redução na tributação de um item de consumo tende a ser compensada pelo aumento da tributação dos demais itens de consumo, mantendo a tributação total das famílias brasileiras a mesma", diz.
"Ou seja, no agregado, considerando toda a cesta de consumo, o custo tributário para as famílias brasileiras continuará sendo o mesmo."
"Tributar menos serviços prestados para condomínios não reduziria o custo total dos tributos pagos pelas famílias. Apenas deslocaria esse custo para outros itens", conclui.
A aplicação de exceções — ou seja, impostos reduzidos a setores da economia — tende a afetar a alíquota geral sobre o consumo, estimada inicialmente em 25%. O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, defende o mínimo de exceções possível.
A explicação é que, para manter a mesma carga tributária, concedendo tratamento favorecido a alguns setores, será necessário ampliar a alíquota geral e, assim, cobrar mais de todas as atividades.
"Quanto mais exceção tiver, quanto mais tratamentos favorecidos, maior tem que ser alíquota para os outros setores para manter a carga. É uma decisão política do Congresso saber se justifica ter tratamento favorecido aqui ou não", disse Appy, em debate no Congresso Nacional. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), chegou a admitir que as novas exceções de benefícios incluídas pelo relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), elevam a alíquota padrão do futuro imposto sobre valor agregado para até 27,5%.
Segundo Haddad, as exceções incluídas no Senado representam um aumento de 0,5 ponto percentual em relação ao texto que passou na Câmara dos Deputados — que indicava que o futuro IVA poderia chegar a até 27%, segundo a área técnica do Ministério da Fazenda.
Essa já seria uma das alíquotas mais altas do mundo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já chegou a afirmar que a mudança nos impostos sobre a folha de pagamentos ocorrerá após a reforma sobre o consumo.
Questionado pela reportagem do g1, o Ministério da Fazenda apenas reafirmou a fala do ministro e reforçou que a tributação da folha será abordada "em um segundo momento" depois da aprovação do texto já em discussão no Congresso Nacional.
Fonte: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/11/09/impacto-reforma-tributaria-condominio.ghtml