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25/01/2024 às 14:54
Limites da verticalização

Câmara propõe barrar prédio alto na Vila Madalena e outras áreas de SP. Vai funcionar?

Parte das quadras que perderiam incentivos construtivos com mudança em lei tem pouco potencial de transformação; regra de transição também abre espaço para manter ritmo de obra por mais tempo

Com o boom da verticalização em São Paulo, a retirada dos incentivos municipais e da permissão para prédios sem limite de altura teria impacto de fato? A “exclusão” de parte desses eixos é uma das principais mudanças propostas na revisão do zoneamento após a aprovação da nova lei do Plano Diretor neste ano. Mas essa medida pode ter efetividade limitada em bairros valorizados — como a Vila Madalena , na zona oeste —, pela baixa disponibilidade de terrenos sem grandes edifícios e um dispositivo chamado “direito de protocolo”, dentre outros fatores.

A delimitação dos endereços que perderiam estímulos a prédios altos começou a ser feita pela gestão Ricardo Nunes (MDB) no projeto de lei (veja aqui mapa interativo do Estadão), enviado à Câmara em outubro. Em novembro, mais quadras foram assinaladas pelo Legislativo, especialmente em vilas.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) justifica ter aplicado os critérios de “controle” indicados na nova lei do Plano Diretor, também de sua relatoria. Esses parâmetros desestimulam novos prédios em áreas de interesse cultural, paisagístico, urbanístico e ambiental, como onde há cursos d’água, relevo acentuado, patrimônio tombado e outros elementos de proteção ou que atrapalham a “caminhabilidade” (ou seja, o quanto a região é funcional e agradável para os pedestres).

A exclusão que mais chama a atenção é a da Vila Madalena, onde praticamente todos os incentivos para prédios altos seriam retirados. Na prática, entretanto, o principal freio à verticalização indicado pela Câmara não envolve esses elementos citados, mas as vilas. Trechos de cerca de mil quadras em vizinhanças de eixos de verticalização ganhariam zoneamento mais restritivo, conforme mapeamento apresentado por Goulart.

O Estadão verificou o que existe em alguns dos eixos com a exclusão proposta pelo Legislativo. Há locais com cursos d‘água (como o entorno do Ribeirão Perus, na zona norte) e patrimônio tombado (os Predinhos da Hípica, em Pinheiros, zona oeste), mas também diversos com baixo potencial de transformação. Isso porque estão em quadras muito verticalizadas ou com a presença de equipamentos de grande e médio portes, como instituições de ensino e hospitais.

Um exemplo é a quadra formada pela Ruas Maranhão, Aracaju e Rio de Janeiro e a Avenida Higienópolis, na região central, que é ocupada basicamente pelo Colégio Sion (tombado), um supermercado e condomínios verticais. Outro é a delineada pelas Ruas Maria Antônia, da Consolação, Itambé e Piauí, também no centro, onde estão a Universidade Presbiteriana e o Colégio Mackenzie, a Chácara Lane (tombados) e prédios de apartamentos.

A situação se repete nos bairros, incluindo a periferia. Na zona sul, uma quadra excluída de eixo é majoritariamente do Terminal Campo Limpo. Em outro caso, na leste, está o Pátio de Manobras Itaquera, enquanto, na oeste, um dos exemplos envolve o quarteirão do Centro Universitário São Camilo, na Pompeia. Entre as diretrizes do projeto, também estão locais com barreiras de difícil transposição, pois exigem que o pedestre “contorne” o espaço, o que aumenta o deslocamento.

Parte dessas exclusões não envolve eixos hoje ativos, mas locais que receberiam o incentivo com a expansão da área de influência, também a ser instituída na revisão do zoneamento. A ampliação das quadras com incentivos será apresentada pela Câmara neste mês, dias antes da 1ª votação do projeto, marcada para 30 de novembro. A deliberação final está prevista para 7 de dezembro.

Os ditos eixos são as vizinhanças de estações de metrô e trem e de corredores de ônibus, que concentram a maioria dos apartamentos lançados na cidade. Esses locais têm incentivos municipais atrativos para a construção de prédios altos, enquanto há mais restrições e desestímulos para a verticalização na maioria da cidade, o que foi previsto no Plano Diretor de 2014 e na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei de Zoneamento) de 2016. Por isso, no geral, a demarcação como eixo tende a valorizar o imóvel.

Esse boom tem gerado críticas de parte da vizinhança e discussões sobre a cidade, como o grande volume de edifícios para as classes média e alta e a explosão de novos microapartamentos, cuja revisão do zoneamento tenta desacelerar, como antecipou o Estadão. Segundo o relator, a mobilização influenciou na definição de critérios para a exclusão de uma parte dos eixos existentes e o veto para novos em áreas com algumas características, como a presença de vilas.

A exclusão de eixos é uma demanda frequente em audiências públicas desde a revisão do Plano Diretor, mas não é unanimidade. Nas audiências da revisão do zoneamento, por exemplo, parte dos proprietários defendeu a inclusão e a manutenção de eixos em trechos da Mooca (zona leste), de Moema (sul), e do Tucuruvi (norte).

O contrário também ocorreu: um exemplo é o grupo que pleiteia o veto a prédio alto no Jardim São Paulo, na região norte. “Tem características muito semelhantes com a Vila Madalena em termos de relevo”, comparou um morador em audiência pública.

Outro ponto discutido é sobre o novo zoneamento dos eixos excluídos. A versão atual do projeto de lei indica que grande parte dos endereços se tornaria Zona de Centralidade (que permite prédios de até 48 m), porém alguns moradores (como da Vila Madalena) defendem classificação mais restritiva, como para Zona Mista (até 28 m) e Zona Predominantemente Residencial (até 10 m). Essa última é a indicada para as quadras de vila no texto atual.

Professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014 na Câmara, o urbanista Nabil Bonduki avalia que a exclusão pode ser boa ou ruim, a depender das características do local. Por isso, defende análise técnica, regionalizada e sem propostas “genéricas” para toda a cidade.

“Precisa de um olhar para o território e fazer análise mais específica, para poder distinguir o que se está propondo”, diz. “Será que faz sentido ter, na frente da estação de metrô, uma oficina mecânica, uma casinha? Tem de pensar a cidade como um todo. Em algumas situações, é bom ter eixo.”

Bloqueio a prédios altos chegaria ‘tarde demais’ em alguns bairros

Na prática, especialistas avaliam que o impacto dessas exclusões pode não ser tão efetivo. Isso porque os eixos mais valorizados estão com prédios altos recém-entregues, em obras ou já protocolados na Prefeitura. Isto é, o bloqueio chegaria “tarde demais” para atender àqueles que querem frear a verticalização.

Para a urbanista e professora do Insper Camila Maleronka, a exclusão pode ser “mais retórica do que efetiva” em alguns locais mais valorizados. “Ali (Vila Madalena), o que sobrou de terreno transformável? Aparentemente, muito pouco, sem contar o que está em processo de aprovação”, avalia. “Nas áreas mais valorizadas, provavelmente já foi. Excluir eixo a essa altura não significa muito.”

Organizações e empresas do mercado imobiliário também têm repetido que há escassez de imóveis passíveis de verticalização (casas, predinhos etc) nos distritos mais valorizados. Nesses locais, até predinhos baixos têm sido demolidos para a construção de torres. Sete anos atrás, por exemplo, o Estadão já noticiava a “corrida por terrenos” no entorno da Estação Vila Madalena, da Linha 2-Verde do Metrô, após a promulgação dos então novos Plano Diretor e zoneamento.

Há ainda a influência do “direito de protocolo”, tradicionalmente determinado após mudanças na legislação urbanística paulistana. Defendido pelo setor imobiliário como uma regra de “transição” e segurança jurídica, permite que um projeto seja executado com a lei vigente no momento em que foi protocolado na Prefeitura. Um exemplo é o mais alto residencial da cidade (o Figueiras do Tatuapé) erguido recentemente em um miolo de bairro, onde a legislação proíbe obras desse porte há anos.

Na área de licenciamento, há avaliações de que o processo de tramitação permite que projetos com indefinições significativas obtenham o direito de protocolo. Isso porque é possível fazer retificações posteriores (identificadas como “erros”, por exemplo) e algumas alterações, inclusive sem a apresentação inicial da posse. Desse modo, abriria margem para uma suposta “especulação”, mesmo que o empreendimento não fosse posteriormente implantado.

Essa interpretação não é unânime. Vice-presidente do Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes não descarta um crescimento de pedidos protocolados antes da aprovação da nova lei, mas avalia que o tempo é curto. “Não se faz projeto em poucas semanas, com todas as características e detalhes técnicos. Até porque tem restrições para fazer alterações. Não se consegue fazer qualquer projeto para depois mudar tudo.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari discorda: “Não precisa ter terreno para licenciar, esse é um dos grandes agravantes”. Ela analisa que o direito de protocolo permite que o empreendedor “escolha a lei que quer aplicar”, pois pode manter ou retirar o pedido antigo a depender de como a nova legislação lhe impactar.

O direito de protocolo chegou a ter a constitucionalidade questionada anos atrás pelo Ministério Público de São Paulo, com a obtenção de uma liminar em 2018. Um levantamento do Secovi-SP noticiado pelo Estadão à época apontou que isso poderia suspender ou postergar cerca de 88 projetos. A decisão foi considerada improcedente no ano seguinte.

Especializado em direito urbanístico e sócio de um dos escritórios que representou o setor imobiliário no processo, o advogado Rodrigo Passaretti defende que a medida é importante para trazer “segurança jurídica”. Ele vê uma pequena possibilidade de uma “corrida” para garantir um eventual direito de protocolo neste momento, a não ser em projetos praticamente prontos, que teriam o pedido antecipado em alguns meses, a fim de garantir a viabilidade com a legislação atual.

Também com formação em Direito, Bianca Tavolari aponta outro eventual impacto da exclusão de eixo, com a possibilidade de questionamento jurídico: a redução do potencial construtivo de imóveis tombados. Esse potencial é calculado a partir do que poderia ser verticalizado no local caso não fosse considerado como patrimônio cultural. Ou seja, reduz quando o endereço deixa de ser eixo.

Desse modo, a alteração no zoneamento de um bem tombado poderia gerar uma redução em um dos principais recursos para a preservação do patrimônio cultural na cidade, quando o potencial construtivo é vendido como um “crédito” para incorporadoras aplicarem em outro local. “Pode virar até uma discussão de direito adquirido”, diz a especialista.

Revisão também vai liberar prédios altos em novas quadras

O cronograma atual da Câmara é de que uma proposta de expansão dos eixos seja apresentada ainda neste mês. O novo mapa possivelmente terá alterações em relação ao sugerido pela Prefeitura.

Hoje, os incentivos para prédios altos abrangem quadras completamente inseridas em um raio de 600 m de estações de metrô e trem e 300 m de corredor de ônibus. Com a nova lei do Plano Diretor, a revisão do zoneamento foi autorizada a expandir essa área de influência para quadras “alcançadas” por um raio de 700 m e 400 m, respectivamente. Isto é, atingiria imóveis a mais de 700 m se ao menos um vizinho estiver no raio. No projeto de lei da revisão do zoneamento, contudo, a Prefeitura propôs que a expansão envolva quadras majoritariamente dentro do raio.

O relator da revisão, Rodrigo Goulart, tem falado que a proposta terá tanto exclusão quanto ampliação. “Desde o início, sempre falei sobre o controle dos eixos. E o controle pode ser tanto a preservação quanto a ampliação. Vai ter ampliação? Vai ter. E também vai ter controle, que é o controle que não aconteceu em 9 anos de vigência da lei”, justifica.

Do ponto de vista do mercado imobiliário, o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, defende um “ponto de equilíbrio”, o que envolveria adicionar novas quadras com incentivos para prédios altos na mesma vizinhança onde se propõe exclusões. “Se exclui grande parte e não inclui onde tem demanda, vai criar um efeito colateral negativo”, avalia.

Essa medida é defendida pelo setor há anos, antes mesmo da mudança no Plano Diretor. Bernardes fala na necessidade de uma análise específica para cada território, “para equilibrar a oferta de área potencial em regiões específicas na cidade com as demandas respectivas”. “Não adianta excluir toda uma região como a Vila Madalena e incluir em Sapopemba. Não vai resolver o problema. A solução precisa ser naquele vetor de desenvolvimento”, argumenta.

As áreas no entorno dos eixos concentram a maior parte dos novos apartamentos lançados, principalmente em distritos de classes média e alta nos últimos anos. Entre os principais, estão Brooklin, na zona sul, e Butantã e Pinheiros, na oeste.

Discussão segue concentrada nos eixos, dizem especialistas; relator nega

Para parte dos especialistas ouvidos, a discussão pública da revisão do zoneamento segue repetindo a tônica da revisão do Plano Diretor, concentrando-se nos eixos de verticalização. “De novo, estão falando de pedaços relativamente pequenos da cidade”, diz a urbanista Camila Maleronka. O relator da revisão nega.

A pesquisadora do Cebrap Bianca Tavolari chama as exclusões de “propostas no meio do caminho”, pois não estão acompanhadas de um texto substitutivo. Isto é, por enquanto, o oficial ainda é o remetido pela Prefeitura.

Também comenta que a Câmara não forneceu informações sobre o parâmetro que embasou cada uma das exclusões. Isto é, ao consultar o mapa, não há como saber se a decisão foi motivada pela característica de relevo, presença de patrimônio cultural ou outra.

Ao Estadão, o relator da revisão disse que a Câmara não divulgou o critério individualmente para cada quadra. Porém destacou que há justificativa para todas as exclusões e que podem ser expostas em eventuais questionamentos.

Rodrigo Goulart também nega que a discussão esteja centralizada nos eixos. Cita que demandas para outras mudanças na classificação de zonas são frequentes nas audiências públicas e que o texto substitutivo possivelmente terá outras alterações, como a indicação de novas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), por exemplo, voltadas a empreendimentos para a baixa renda.

“Estão sendo ouvidas todas as regiões da cidade. Existem também as propostas para os eixos, tanto do controle quanto da ampliação. Mas não tem nenhuma restrição da discussão só na questão dos eixos. A cidade inteira está sendo discutida no zoneamento: desde regularização fundiária até a questão dos eixos, isso passa pelas questões das Zeis, das Zepams (Zonas Especiais de Proteção Ambiental), de todas as zonas da cidade”, afirma.

Fonte: https://www.estadao.com.br/sao-paulo/camara-propoe-barrar-predio-alto-na-vila-madalena-e-outras-areas-de-sp-vai-funcionar/

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