Na época do acidente, comunidade era dominada pela milícia; hoje, quem manda é o tráfico. Terreno do desabamento teve outros prédios demolidos e foi tomado por vegetação.
A apuração sobre a queda de dois prédios, na comunidade da Muzema, na Zona Oeste do Rio, ainda não terminou. Cinco anos depois do desastre que matou 24 pessoas, o julgamento do caso ainda não foi marcado.
Os três acusados pelo Ministério Público estadual pelas mortes estão em liberdade: José Bezerra de Lira, o Zé do Rolo; Renato Siqueira Ribeiro e Rafael Gomes da Costa respondem por homicídio qualificado pelas 24 vítimas, por lesão corporal gravíssima e pelo crime de desabamento.
A audiência mais recente deste caso aconteceu em 28 de novembro de 2023, no fórum da capital.
Na época do acidente, a Muzema era dominada por uma milícia. Atualmente, traficantes ocupam a comunidade.
Desde a queda dos dois edifícios, há dificuldade de se colher depoimentos de testemunhas de acusação. Após várias inquirições, o policial civil Jorge Luiz Camillo Alves prestou depoimento.
Camilo foi o responsável pela investigação da queda dos imóveis, mas acabou preso nove meses depois numa operação da Polícia Civil do RJ e do Ministério Público contra a milícia que agia na região.
O MP desistiu das testemunhas de acusação e a Justiça tenta chamar para depor duas testemunhas que moram fora do Estado do Rio. Através de seus advogados, os réus disseram que só irão falar no processo quando a fase de depoimentos encerrar.
Assim que for concluída essa fase de depoimentos, a Justiça deve agendar o julgamento.
"Meu cliente era pedreiro. Ninguém, em sã consciência, vai fazer uma obra para cair e encerrar a carreira. Naqueles dias que antecederam à queda do prédio choveu sem igual na cidade do Rio. Isso também ajudou à queda do imóvel", afirmou o advogado Telmo Bernardo Batista que defende José Bezerra de Lira, conhecido como Zé do Rolo.
Zé do Rolo é apontado nas investigações como o responsável por vender apartamentos dos dois prédios que caíram da Muzema. Quando foi preso, em setembro de 2019, afirmou à polícia que estava sendo ameaçado pela milícia que atua na região.
O g1 não conseguiu contato com as defesas de Rafael Gomes da Costa e de Renato Siqueira Ribeiro.
Enquanto, o caso não tem solução, a Muzema é atualmente palco da disputa de traficantes e milicianos pelo controle da comunidade.
No local, onde os prédios caíram, junto à uma área de proteção ambiental, há um espaço vazio onde a vegetação cresceu. É uma das poucas mudanças no mercado imobiliário da comunidade.
Em volta de onde ficavam os prédios é possível ver outras construções junto à mata.
Investigações do Ministério Público estadual do Rio de Janeiro mostra que, até novembro de 2023, o mercado imobiliário da Muzema estava sob o controle de milicianos.
A partir dos anos 1990, a comunidade tinha cerca de 4.503 moradores e 1.528 domicílios, de acordo com dados do IBGE há uma década. Neste período o número de prédios de, no mínimo, cinco andares, cresceram na favela. Tudo na mão da milícia que também dominava Rio das Pedras.
Entre 2021 e 2023, pelo menos, 23 imóveis foram demolidos no interior da comunidade em ações do Ministério Público estadual e da Secretaria de Ordem Pública. Todos construídos irregularmente. Em três deles, o MP descobriu que a milícia investiu algo em torno de R$ 7 milhões.
Há dois anos, o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos criou uma Força-tarefa do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado para enfrentar a ocupação irregular do solo urbano.
A milícia não apenas vendia ou alugava os imóveis. Ainda vendia o material caso alguém quisesse reformar a casa, determinando as lojas em que se poderia comprar.
Desde novembro, a facção Comando Vermelho tomou a favela da milícia e impõe as mesmas regras. São os traficantes que exploram os imóveis. E isso numa favela que faz parte, junto com o Jacarezinho, do programa estadual Cidade Integrada, desde janeiro de 2022, que visava aumentar a segurança no local.
Com o tráfico, a comunidade passou a ter outra rotina: motoqueiros devem circular sem capacete e bailes são realizados nas madrugadas.
A Polícia Civil investiga um ex-policial militar do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Ronny Pessanha de Oliveira, de 33 anos, por suspeita de treinar milicianos e traficantes do Comando Vermelho (CV).
Antes apontado como miliciano, hoje o ex-PM é suspeito de mudar de lado e se aliar a traficantes que invadiram a Muzema. Segundo o policial militar responsável pela prisão, Pessanha passou a dar treinamento para traficantes do CV, com o objetivo de auxiliar a facção na invasão de territórios da milícia e de outras facções rivais.
Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/04/12/cinco-anos-apos-queda-de-predio-com-24-mortes-na-muzema-justica-ainda-tenta-ouvir-testemunhas-e-acusados-respondem-em-liberdade.ghtml