Trabalhadoras domésticas e outros prestadores de serviços enfrentam transporte precário fora e dentro dos condomínios
As discussões do Plano Diretor de Cuiabá, atualmente em fase final de elaboração, podem resolver um problema que atinge prestadoras e prestadores de serviço nos grandes condomínios horizontais de Cuiabá: as longas distâncias percorridas a pé por falta de transporte público satisfatório e impossibilidade dos ônibus transitarem nas áreas privadas. Obrigar os condomínios a fornecerem esse serviço é uma das propostas na pauta.
O surgimento de empreendimentos cada vez mais afastados das áreas populosas da cidade demandam a instalação de serviços básicos nas regiões recém habitadas, por isso, uma diretriz do ainda prematuro novo Plano Diretor de Cuiabá também sugere permitir a construção dos condomínios somente nos locais onde esses serviços já existam ou sejam, de fato, implantados pelo município.
A diretriz número XX do artigo 14 trata da necessidade de preexistência ou implantação de infraestrutura urbana, transporte coletivo e equipamentos sociais.
Segundo o secretário Adjunto de Gestão e Planejamento do Estado de Mato Grosso, Rafael Detoni, esses elementos são importantes, mesmo em condomínios privados habitados por famílias de classe média e alta, para beneficiar trabalhadores e trabalhadoras que se deslocam nessas regiões todos os dias e dependem dos instrumentos públicos.
“Em condomínios residenciais de alto e médio padrão os serviços domésticos são, via de regra, executados por diaristas, babás, lavadeiras, jardineiros e etc, ou seja, por pessoas de fora do condomínio e não pelo próprio morador”, citou.
Um transporte coletivo eficiente é fundamental para o deslocamento dos trabalhadores até a entrada dos condomínios e depois na volta para casa, mas no caso dos empreendimentos horizontais de grande extensão, isso não é suficiente para atender às necessidades dos funcionários.
Os ônibus circulares não podem entrar nos condomínios, por se tratarem de propriedades privadas com medidas de segurança, e aqueles que dependem do transporte público têm que andar grandes distâncias para se deslocar da portaria até a casa em que trabalham.
São aproximadamente 16h15 de quarta-feira (7) e a ferocidade do sol cuiabano não permite que o banco do ponto de ônibus seja uma boa opção para quem precisa esperar pelo transporte. A luz que bate diretamente no assento de ferro torna o objeto tão quente que é possível queimar a pele de quem se atrever a tocar.
A reportagem do caminhou pelas ruas próximas ao condomínio Florais do Valle, no bairro Ribeirão do Lipa. Nesse cenário, um grupo de mulheres se abrigava na sombra produzida por um ponto de ônibus. Algumas estavam em pé, e outras optaram por se sentar no gramado verde na entrada do condomínio para descansar as pernas. Eram cerca de doze trabalhadoras, todas empregadas domésticas em lares do condomínio.
Os relatos são de que a distância que cada uma percorre todos os dias varia de acordo com o local da casa em que trabalham. Algumas passam mais de 20 minutos andando todos os dias dentro do condomínio e descrevem a caminhada como cansativa, principalmente depois de um dia inteiro dedicado à limpeza e ao cuidado do lar alheio.
“Você imagina, ter que pegar de lá até aqui no sol quente e depois ainda esperar, não sei quantas horas, até o ônibus passar”, desabafou Ana Paula, de 43 anos e que há três trabalha no Florais do Valle.
O relato foi repetido pelas outras trabalhadoras, em uníssono.
Durante a tarde, somente uma linha de ônibus passa na avenida que leva o nome do empreendimento. Por isso, todas as mulheres ali reunidas se organizam para não perder o coletivo das 16h30.
“Se você perder o de 16h30, vai conseguir pegar só às 17h30, e se perder esse, aí só depois das 18h”, contou Valdevina, de 53 anos.
E para quase todas, esse foi apenas o primeiro de dois, ou três ônibus que terão que enfrentar até chegar em casa, algumas às 18h e outras às 20h.
Rafael Detoni propõe refletir sobre a rotina de uma diarista que presta serviços em um condomínio como esse e citou: “Ela caminha da sua casa até o ponto de ônibus, leva 80 minutos dentro do transporte coletivo, desce no ponto de ônibus do condomínio e ainda precisa caminhar mais um quilômetro até chegar na residência onde trabalha. Por volta das 16h ela deixa a residência e caminha de volta mais um quilômetro sob o sol escaldante para fazer o mesmo percurso de volta. Veja como o acesso ao trabalho é ingrato e como o condomínio contribui para tornar essa rotina mais difícil ainda”, apontou.
De acordo com o arquiteto, em muitos empreendimentos, boa parte das unidades habitacionais está a mais de 400 metros a partir da portaria, excedendo a distância máxima de uma caminhada confortável feita por uma pessoa em boas condições de mobilidade.
Ele sugeriu que a solução seria o município instituir uma lei que obrigue os grandes condomínios horizontais a disponibilizar, de forma gratuita, um serviço interno de transporte que leve os trabalhadores até a porta do serviço. “É sobre dar dignidade às pessoas que não têm carro ou moto e que precisam chegar ao seu trabalho para o ganho do seu sustento”, disse.
Valdevina afirmou que os patrões haviam tentado fazer um abaixo-assinado para conseguir uma van que fizesse o transporte das domésticas, mas que a quantidade de casas construídas no Florais do Valle era menor do que a meta e isso foi um empecilho. A reportagem tentou contato com a direção do condomínio, mas até o momento da publicação não obteve retorno.
Ela e outras domésticas citaram saber que alguns condomínios de alto padrão da capital oferecem o serviço de transporte interno, mas somente em determinado período do dia ou a cada uma hora.
O novo Plano Diretor ainda está em fase de elaboração e depende da aprovação da Câmara Municipal para começar a valer, mas a minuta do documento já pode ser acessada pelo Portal Transparência da Prefeitura de Cuiabá.
Fonte: https://www.midiajur.com.br/geral/condominios-horizontais-podem-ser-obrigados-a-fornecer-transporte-a-trabalhadores/55382