Decisão em 1ª Instância, publicada na segunda-feira (10/6), julgou irregular a venda de dez lotes em condomínio no DF. Ainda cabe recurso
Assembleias sem quórum mínimo, venda irregular de lotes, calúnias e difamação. Todos esses são motivadores das várias disputas judiciais que colocaram o nome do condomínio Jardim Botânico VI (JBVI) em processos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
O Metrópoles teve acesso a dois desses documentos, que tratam da anulação da venda de áreas vagas do condomínio e de um processo de calúnia e difamação envolvendo o ex-subsíndico e o atual síndico, um empresário falido com conexões no cenário político de Belo Horizonte (leia mais abaixo).
Diversos fatores levaram à disputa judicial travada entre um grupo de condôminos e a administração do residencial no Jardim Botânico, cuja decisão do TJDFT foi publicada em 11 de junho último.
Na ocasião, foram anuladas duas atas e nove contratos de venda e escritura de concessão de 10 áreas comuns do condomínio JBVI. Os lotes vagos, que somados chegam a quase 800 m² de área livre total, ficam distribuídos entre os 26 edifícios do condomínio, e desde 2003 são destinados a estacionamento e ventilação dos endereços residenciais e pontos comerciais.
Em 2022, no entanto, o condomínio convocou uma assembleia para discutir a venda dessas áreas, para que fossem cedidas para construção de novas edificações. Segundo o processo, três assembleias foram abertas para a discussão da questão, mas nenhuma atingiu o quórum mínimo para votação.
Em 2 de junho de 2022, quando foi votada a autorização para o início das vendas, estiveram presentes apenas 12 participantes. O JBVI possui 435 unidades, estando ocupadas, atualmente, 398 delas.
Os condôminos entraram em contato com a administração do JBVI, questionando a decisão, com base em uma assembleia extraordinária realizada no ano de 2003. Na reunião, ficou decidido que as áreas hoje disputadas, seriam destinadas a estacionamento, permitindo assim também a construção de varandas para melhora na circulação de ar das edificações.
Os responsáveis pelas unidades também exigiram a apresentação de documentos como os registros de votação e os comprovantes de vendas dos lotes. Conversas por aplicativos de mensagem mostram que os pedidos passaram mais de um ano sem que obtivessem qualquer resposta.
Na sentença, o magistrado da 19ª Vara Cível do Distrito Federal entendeu que a falta de quórum mínimo nas votação e de clareza na convocação para a assembleia elementos contribuíam para julgar a nulidade das reuniões e das vendas dos imóveis.
“No caso em questão, houve descumprimento do quórum necessário para deliberar sobre a venda dos lotes. Como resultado, as decisões tomadas nessas assembleias não possuem validade jurídica, o que torna igualmente inválidas as vendas dos imóveis derivadas dessas deliberações, até que haja aprovação por quórum qualificado, em assembleia convocada para tal finalidade”, observou.
Apesar da anulação da venda das 10 áreas, ainda cabe recurso à decisão. Além disso, os cessionários dos imóveis já ocuparam os lotes, tendo inclusive iniciado obras nos locais, gerando desconforto e prejudicando a estrutura já existente das edificações do condomínio.
Em contestação apresentada pela defesa dos responsáveis pela administração do Condomínio Jardim Botânico VI, a defesa argumentou que o residencial é regido por suas próprias regras internas e que está atualmente em processo de regularização fundiária.
Os beneficiados pelos contratos de venda, por sua vez, afirmaram ter adquirido suas unidades por meio de cessão de direitos em assembleias devidamente autorizadas pela convenção condominial e pelo regimento interno. Além disso, a defesa também questionou a inclusão dos cessionários como réus, umas vez que eles estariam agindo conforme as disposições do condomínio, em que não há transferência de propriedade, apenas cessão de direitos.
A administração ainda rebateu a assembleia extraordinária de 2003, que proibiria a venda das áreas. Segundo eles, em novo regimento interno, de 2004, as regras estabelecidas para as unidades comerciais incluíram a possibilidade de venda e uso misto (comércio/residência). Assim, alegam que o condomínio “agiu de acordo com suas normas internas ao permitir as cessões de direitos e que não haveria fundamentos para a anulação das assembleias ou dos contratos celebrados”.
No entanto, em grupo de mensagens destinado a debater e divulgar assuntos do condomínio, um dos responsáveis pela administração do JBVI, que consta como réu no processo, ajuda a corroborar com uma versão em que a venda teria sido motivada para que o direito sob as áreas não fosse “perdido” para a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
Os imóveis do Jardim Botânico VI já são regularizados junto à Terracap desde 2018. A empresa confirmou que não consta como parte do processo e informou, em nota, “que se trata de disputa judicial sobre posse entre particulares, que não analisa ou declara propriedade”.
Em 2021, o então subsíndico divulgou em grupo de mensagens do condomínio duas cartas em que comunicava sua saída da administração e fazia acusações contra o atual síndico. No documento, o autor acusa o administrador de utilizar recursos do condomínio para fins pessoais, contratar funcionários para atender interesses próprios e de possuir uma “gestão autocrática”.
O caso foi julgado pelo 1º Juizado Especial Criminal de Brasília, que arquivou o processo em abril de 2022, sob justificativa de que “não foi ferida à honra subjetiva do querelante”, uma vez que a questão tratava-se de comentários feitos quanto à atuação do sindico enquanto gestor do condomínio.
Com a disputa judicial pela vendas das áreas do JBVI, as denúncias contra o atual sindico voltaram a ganhar forças na voz de demais condôminos. O Metrópoles teve acesso a documentos que corroboram com a versão do ex-subsíndico e que trazem novas acusações contra o administrador.
Contratos entre o condomínio e prestadoras de serviços mostram que o síndico assinava sozinho os acordos, sendo a assinatura das demais partes adicionadas meses depois de forma on-line, como é o caso do contrato assinado com a advogada contratada para prestar representação jurídica ao condomínio. A mesma advogada, inclusive, é responsável pela defesa dos autores cessionários dos contratos de venda no processo pela disputa das áreas do JBVI.
Ainda, um relatório de auditoria fiscal realizado entre outubro de 2022 e julho de 2023 também apresenta uma série de irregularidades, como falta de decisão em assembleia para contratos com valor maior de 20 salários mínimos ou de diferenciação das saídas dos valores do saldo do condomínio.
Por fim, a reportagem apurou que o nome do síndico é citado em diferentes tribunais de justiça do Distrito Federal e de Minas Gerais. Segundo informações, o administrador, um empreiteiro natural de Belo Horizonte, recorre desde 1996 a processos de falência, ação de execução e licitação irregular.
O Metrópoles tentou contato com todos os envolvidos, mas não obteve responde de nenhum questionamento feito. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.
Fonte: https://www.metropoles.com/distrito-federal/calunias-e-muita-treta-venda-de-lotes-abre-guerra-em-condominio-do-df